segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Berço dos Afogados


Não.
Não sei o que me fez assim:
Casa abandonada prestes a ruir...
Barco afundado no azul escuro da noite.
Entre lama e sargaço
misturo-me aos dejetos e desejos do mar que me navega,
em cujas ondas tal qual bêbado me enlaço.
E aquosamente me reafirmo: líquido, seiva, charco
lâmina de aço afogada em lágrima carmim.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Criança


Agora entendo o destino
que me fez menino
pra todo o sempre.
E não há tempo
que desfaça o invento
d'uma criança de repente.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Setembrina N° 1


E essa lua flácida
iniciando sua obesidade asfixiante dos corações solitários?

Desejo-te,
minha redonda felina,
para aprender o destino mórbido que teu peso me faz reverenciar!

Esmaga-me
com tua doçura inebriante,
enquanto procuro desvendar meu passado de crueldade romântica.

Engulo-te
e te vomito em pequenas estrelas na negritude infinita,
para assim esquecer que tua grandeza iludiu o céu de minhas paixões fugazes!

domingo, 19 de agosto de 2012

Olho Nu


Olho
emudecido
diante
da tua nudez.
Espelho
refletido
da face sem rosto:
universo engolindo
o desejo da mudez.

sábado, 11 de agosto de 2012

Ronronar


Doce voz rouca de Bárbara
Em abandono penetra meus ouvidos,
dilacerando o sentimento arrependido,
de quem amou o silêncio daquela máscara.

E esse amor que é enchente e desampara
Corre no sangue feito veneno temido
Que os poetas transformam em crime urdido
Sem assassinos, só transe de doença rara.

Este som dulcíssimo do sofrer que inebria,
Tal qual cachaça servida a ferro em brasa,
fez anoitecer ao sol do meio-dia...

Fez entorpecer os anjos da cabala...
A seiva que jorra como uma hemorragia
Na diluição do que transborda e o silêncio cala.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O Amor Não Mais Escorria Pelas Paredes


O amor não mais escorria por aquelas paredes...
Antes, elas, as paredes, banhavam-se num suor cálido
E derretia os quadros, os painéis, o lustre, janelas.
Até o Coração de Jesus liquefez-se.
O cadeado da porta escoou lânguido pelo piso do terraço.
Nem mesmo as chaves abriam aquelas portas
Porque tudo se escancarava num dilúvio dentro e fora.
Na liberdade líquida do escancaro.
O amor nos levava qual embarcação
Entre o portão e a cozinha,
Entre a sala e o quarto,
Jardim, sótão, banheiros...
De tanto amor, boiávamos agarrados
Diante de ondas arrebatadoras,
Cuja força nos lançava para longe de nós mesmos.
De repente o amor estancou.
O dilúvio virara deserto.
Icebergs nasceram no centro da sala.
Vulcões adormeceram morbidamente.
O jardim ressecara por nossa incapacidade de ferir o gelo.
Aos poucos, nem embarcações havia mais.
Nadávamos no fio líquido que saía de nossos ventres
E passamos a andar sobre sapatos.
Usar vestidos e ternos e roupas íntimas
(Sim, porque até aquele momento o amor nos deixara nus).
E começamos a construir outras portas
Outras saídas, outros destinos nos lamentos enternecidos.
E o amor, que antes escorria pelas paredes
Tornou-se uma pedra imóvel
Na solidão oceânica de nossos corações.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Doença


O poema é estado febril que fere dedos.
É mercúrio no termômetro da palavra,
Tóxico inalado na pele dos sentidos,
Diante dos olhos para dentro da boca.

O poema resseca-se em solilóquio
Seiva condensando perigoso deserto.
À procura de almas perdidas em desalento,
Inaugura em suor a líquida horizontalidade do verso.

O poema oferece epigramas de sinapses
Que são galáxias engolindo números e sílabas.
Martírio belicoso da fome de morder,
(onde paira o canino mistério do dente).

É desregramento milimétrico na plenitude da régua!

O poema escarnece a metafísica do silêncio
É berro onde só se ouviam células.
É curtume onde se sangravam bíblias.
Tal qual fibra contorcida em dióxido de dúvida,
É adubo e saliva e clarividência.

O poema é o vazio parindo matéria.

sábado, 23 de junho de 2012

Antídoto


A mágoa...
Pranto engolido pra dentro d'alma,
Dor que chafurda na fenda do espírito,
Ferida que não cicatriza nem com o sangue coagulado do tempo.

Para esse veneno bebido a conta-gotas,
O antídoto possível para estancar a hemorragia
É ingerir a dose única e durante o dia
O bálsamo ungido da palavra perdão.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Santa Luzia (para Josias Jr.)


Santa Luzia,
Ágata imaculada de minha infância esmaecida,
Protegei o olhar desta luzidia amizade...
Para que nada – breu, escuro, noite enfurecida –
Ofusque este olho que vê beleza onde só existe fealdade.

Que esta retina transfigurada em bênçãos de amizade cega
Continue enxergando em mim o merecimento que este olhar encerra.



PS: Um poema que escrevi há algum tempo sobre o grande poeta e amigo Josias Jr. Reproduzo aqui ao saber que o companheiro recebeu uma homenagem noutro blog literário; Um grande momento para homenageá-lo novamente.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Teatro


A morte é meu ditirambo,
meu escambo permanente com o destino.
A morte é meu escárnio,
adágio imanente de meu sorriso fenecido.

Rogo-vos, neste murmúrio sucumbido,
que me permita encontrar na solidão de vosso abraço
um coro de olhos arrependidos
tecendo loas, cantos dionisíacos
ao que foi uma vida de desterro e embaraço.

domingo, 20 de maio de 2012

Arco-Íris de Quintal


Enquanto aguava as plantas do jardim
Nascia um arco-íris no meu quintal
Pintando o ar estático de cores verticais
Flutuando acima da grama e dos pardais.

Como pode surgir tal pintura matinal
De folhas mortas
Por sobre o solo úmido?

Um encontro aquoso
De colorido rarefeito,
Como uma transpiração do olho,
Como o braço do nadador...

Saindo da terra,
As formigas esbarram
Na base daquela escada matizada;
Abandonam folhas,
tropeçam em frutos mortos,
Estão assombradas
Diante da múltipla luz refletida.

Nunca entendi de arco-íris,
Nem do que o destino oferece,
Mas percebo que o assombro da formiga
É inegavelmente mais pleno de realidade
Que o nascimento daquele arco-íris
Enquanto eu aguava as plantas do jardim.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Crisântemo na Madrugada


Noite que fulgura
Na natureza escassa
Desampara a alma e enlaça
A dor que a ausência emoldura.

O vazio em corpo desfalecido
De animal puxando a charrua
É fogo entre duas luas
Apenas um sol entorpecido.

É quando vem a saudade descabida
E dá nó no peito em alvoroço,
Desenho que só se tem o esboço
Do exílio daquela alma esculpida.


sexta-feira, 11 de maio de 2012

Sobejo


Se a saudade apertar mais
jogo fora o coração
cego os olhos, corto a língua
furo os ouvidos, abro o caixão
rasgo os pulsos, bebo veneno
me jogo no rio, me enterro no chão...
Só não aguento sentir desse jeito
essa dor bem no meu peito
coisa sem explicação.
Noves fora esse sentir cruento,
o linguajar violento,
só não morro sem pedir perdão.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Eternidade dos Olhos

Antes do sereno do teu olhar
Eu não conhecia a noite
- A noite do infinito breu.
Noite da invisível luz das estrelas,
Da lua multidimensional.

Antes desse borboletear de pálpebras
Não compreendia o silêncio...
O silêncio inebriado de sons milenares da natureza.

Mesmo antes de ver-te inteira,
Real como uma pintura abstrata
(onde a tinta é cheiro de fruta madura),
Eu era um cego de mil olhos,
Todos irremediavelmente sem destino furta-cor.

Até que mergulhei no tempo
De teu minuto ocular.
Comi a gravidade das horas.
Inventei a gravidez do instante.
E me curei do que os compêndios de medicina chamavam de
: a doença da cegueira eterna.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Janela e Nuvens

Dois poemas em homenagem a esse fim de noite chuvoso da capital pernambucana. Aqui, a chuva vez por outra inunda a alma da gente!

JANELA

O cinza do céu do Recife
umedece meus pensamentos mais agrestes...
Um abril líquido escorre pelas paredes, árvores e ruas
alaga minha vista,
inunda meu coração.
O céu do Recife é meu mar!


NUVENS

Recife acinzenta-se.
Sem velório,
o dia morreu encharcado.
Desconheço-me morto ou sobrevivente.
Rendo-me à secura da solidão.
Meu deserto seca a chuva pálida.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Barulho

A
arma
do
poema
vem
do
estampido
da
caverna
da
mente.

Quadro

As sapatilhas da bailarina
Dormem atrás da porta.
Os pés sujos da menina
Pisam, sorrateiros,
a parede branca do quarto escuro...

Em cada cômodo da casa
Cirandas alienadas
de ponteiros obtusos
Dialogam entre si.

Tic-tacs infelizes
Embalando a fotografia da família morta.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Signo

                       (para Angela Dionisio) 

A força do universo
arremata em luz outros sentidos do ser.
Arrebenta a palavra
tritura significados
santifica racionalidades.

A força do universo
é dinâmica invisível da coragem,
sopra números pra dentro do osso,
arranca pétalas de um sertão vário.

A força do universo...
Outro delírio astronômico
contrário do espelho da fotografia,
desalinha planetas desconhecidos,
expulsa galáxias para dentro.

A força do universo é felina
em velocidade da luz
– fera brasão rei dos astros –
engolindo súditos,
defendendo a prole.
A força do universo é feminina,
mas vai além dos gêneros
de línguas, fonemas, dilemas.

A força do universo é ciência
Do minuto eterno daquilo que se diz espírito.


@ Poema feito em 2011 e dedicado a uma leonina. Peço licença para dedicá-lo neste 8 de março a todas as mulheres que são o signo da força do universo. A eternidade humana é feminina! Viva a luta da mulher!

domingo, 4 de março de 2012

Lua Cheia


A lua...
Farol dos insones.
Olho vigiando o breu.
Espelho da poesia solar.
Em que profundidade feminina mergulha seu mistério?

Diana parindo virgens nas matas,
a maternidade dos assassinos,
a maré dos barcos insensatos,
...os amantes marítimos enamorados de seu solilóquio.

Ao olhar para ela,
por um momento,
entendo o tempo das coisas em estado de memória.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Gênese

Construo pedra
caule
folha
raiz de pernas em chumbo profundo...

A inefável membrana do sopro
Onde tudo é vácuo
Balão gasoso.

Pérolas emperram roldanas.
Desengrenagem,
Antimáquina,
Só ferro e aço e ácido
Noutra combustão qualquer.

Labareda.
Língua vertical em adereço vulcânico.
Caras bocas paus vertigem...
Fuligem em líquido fecundante.

Carnaval...
Antes noite que arde entre reza e vício.
Barro africano em gênesis procria mundos, caravelas, capitanias.

A lâmina escorre das veias heréticas
de deuses subnutridos de tanta fé
na angústia redentora dos sentidos metafísicos da palavra dor.

The end.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Poética

O verso sobretudo
Mas não apenas verso.
A página em branco
Mas nunca só papel.
A letra descarnada
Antes grávida palavra.
O ato – mítica escrita da palma da mão.

O som, o inaudível
Mas sempre quase ritmo.
O ruído da memória
Mas nada menos que sono.
A voz vibrando signo
Mas onde tudo grito.
O ar: úmido neurônio da canção.

A luz no entanto
Mas pouco mais que brilho.
O azul do astronauta
Mas não somente pássaro.
O arco da espessura branca
Mas quando muito o olho.
O umbigo (berço labiríntico da escuridão).

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Da incapacidade de ser prudente


A maturidade trouxe-me um desejo que não acreditava, nos meus devaneios mais inconscientes, ser possível exercitar. A necessidade de expressar-me publicamente em linguagem poética. Apesar de a poesia me acompanhar desde sempre, via-me impedido, contrito, num misto de temor e incapacidade de ver através dos olhos públicos o que me é tão caro. Apesar da necessidade sempre presente de expressão, faltava-me coragem de ultrapassar essa divisa entre o que me é tão falho e íntimo e que transformado em poesia precisa do olho do leitor para ganhar vida própria. Todo texto tem de ganhar vida na leitura, no olhar de um outro. E esse transportar-se na leitura é, sob certos aspectos, um parto, um lançar-se no abismo, no segredo do salto. Um desafio que nem sempre temos coragem de assumir. Assumo agora este desafio de lançar-me poeticamente neste blog. Agradeço aos amigos que me impeliram a este voo cego. Aos amigos que em diversos momentos de minha trajetória quase que me ultimaram a expor estes versos que ora começo a publicar. Esse blog é uma tentativa de me fazer merecedor desses olhares benevolentes. É fruto da vontade de colocar um pouco de poesia no cotidiano de quem o ler. Vejo-me tragando, de sob a terra, o mistério que até então minha vista não alcançara.


POEMA

Sob a terra,
Onde a raiz não alcança,
Dorme o verso
Onde a palavra dança.